Os Inconformáticos
Edição Nº 149Janeiro/Fevereiro 2002
Índice
Escola pública de São Paulo mostra como é possível integrar alunos e professores e dar vida a um grande projeto para usar os computadores de forma significativa para todos
Ricardo Falzetta
Heudes Régis
Jovens do Ensino Médio mostram a seus professores como operar um micro: a informática bem empregada rende bons trabalhos educacionais
ocê ainda duvida do poder revolucionário da informática? Então veja a transformação que os computadores provocaram na Escola Estadual Godofredo Furtado, em São Paulo. Ali, alguns alunos formaram um grupo para pôr em uso o laboratório e terminaram dando aulas aos professores, em oficinas de produção de fanzines. A história começou em agosto de 2000. Inconformados com uma sala fechada e cheia de máquinas desligadas, quatro estudantes do Ensino Médio que haviam feito um estágio na organização não-governamental Projeto Aprendiz procuraram a diretora do colégio e pediram para assumir o espaço. Estava lançado o Inconformática (leia mais sobre o grupo no quadro da página ao lado).
Com a chave nas mãos, os estudantes fizeram uma faxina na sala e puseram os micros em funcionamento. Não havia rede, os computadores eram velhos e sem acesso à internet. Mas isso não afetou os planos. A idéia podia ser colocada em prática com os equipamentos. "Queríamos mostrar aos colegas como usar a informática de forma significativa", lembra Rafael França, um dos inconformáticos. "Não era nossa intenção dar cursinhos e, muito menos, ficar brincando."
Com a agilidade e o desprendimento típicos dos adolescentes, o grupo organizou as oficinas e, em setembro de 2000, iniciou-se a primeira turma, formada por colegas mais jovens, do Ensino Fundamental. Apostilas foram montadas com as informações básicas sobre a utilização do Windows, do Word e de um software de paginação. O sucesso foi imediato. "Os outros garotos e garotas passavam por aqui e punham as carinhas curiosas na porta e nas janelas para tentar descobrir o que estava acontecendo", lembra Ana Paula Anderson, "mestra mirim". Três meses depois, era lançado o primeiro fanzine (Recriação). Nele, alunos de 5ª, 6ª e 7ª séries mostraram as mudanças que estavam ocorrendo na escola, inclusive a criação do Inconformática. Nos textos, abordaram desde a pintura nova do pátio até os projetos pedagógicos realizados, como o Cinema em Sala de Aula, em que analisaram o curta O Menino, a Favela e as Tampas da Panela, de Cao Hamburguer. Na capa, uma ilustração inspirada em Tarsila do Amaral, outro tema das aulas.
Alguns dos fanzines produzidos nas oficinas ministradas na Escola Estadual Godofredo Furtado: inversão de papéis entre mestres e aprendizes
Novas máquinas
No final do ano, após a primeira reunião com professores e coordenadores da Godofredo, o projeto foi inscrito no concurso Sua Escola a 2000 por Hora, do Instituto Ayrton Senna. Ganhou. O prêmio foi a modernização do laboratório, que passou a ter acesso de alta velocidade à internet, dezessete novos computadores, três impressoras e um scanner. Em agosto de 2001, os papéis se inverteram de vez. Teve início a primeira oficina voltada exclusivamente para professores. O tema do fanzine, escolhido pelos docentes transformados em alunos, não poderia ser outro: educação. Boa parte do grupo jamais tinha ligado um computador. Outros, já familiarizados, aproveitaram o trabalho para trocar experiências com os colegas de curso.
"Eu já sabia usar, mas foi muito bom descobrir o que cada um pensa sobre educação e como vem trabalhando em sala de aula", diz Wanda Del Vechio, que leciona Filosofia. Já para Roseli Anastácio Silva, de Língua Portuguesa, tudo foi novidade. "Eu não sabia nem ligar nem desligar a máquina", conta. "No final do ano, levei minha turma do 3o ano para a sala de informática e percebi que já me sentia à vontade", completa. "Até a diretora acabou participando da oficina", recorda-se Heloísa Helena Madella, de História.
Além dos fanzines, o Inconformática pretende desenvolver oficinas de criação de websites. A primeira página deve ser a da própria escola. "É um projeto ousado e, por isso, ainda não conseguimos estruturá-lo", conta Ana Paula. Ousadia, aliás, é o que não falta. O site do Inconformática, por exemplo, já está no ar. Visite http://www.inconformatica.cjb.net/ para conhecer um pouco mais sobre esse grupo de jovens revolucionários.
Fundadores do Inconformática já se formaram, mas continuam trabalhando até preparar substitutos entre os colegas
Os integrantes do Inconformática, quatro deles da própria Escola Godofredo Furtado e, a quinta, uma colega que se juntou ao grupo voluntariamente, já concluíram o Ensino Médio. Portanto, não têm mais vínculo oficial com a escola onde desenvolveram o projeto. Hoje, cada um toca sua vida procurando seguir os estudos e se colocar no mercado de trabalho. Apesar disso, todos continuam freqüentando a Godofredo. "Não vamos deixar o projeto terminar", afirma Renata Carneiro.
A idéia é formar novos coordenadores para ministrar as oficinas, comandar a sala de informática e buscar apoio financeiro para ampliar os projetos desenvolvidos, tanto por alunos como por professores. "Precisamos, por exemplo, de um suporte técnico mais eficiente", diz Ana Paula Anderson. Com a conexão à internet e a interligação dos micros em rede vieram também os problemas com vírus. A escola tem dado todo o apoio que pode, mas como a intenção é ampliar o projeto, será necessário mais dinheiro.
Mas... "Peraí, por que vocês fazem tudo isso?", pergunta um título do próprio material de apresentação do Inconformática preparado pelo grupo. A resposta vem na seqüência: "O Inconformática é apenas parte de um objetivo muito maior, do qual alunos, pais, professores, governo e sociedade são co-responsáveis: a melhoria
Comentário:
O Projeto "Os Inconformáticos" mostra um caminho inverso dentro da escola, pois parte dos alunos a fato de mudarem a realidade da instituição em que estudam. O interessante é o fato dos alunos se tornarem professores de seus professores no momento em que ensinam a utilizar os computadores, muito das vezes, repassando conceitos básicos...Pude perceber pela leitura desta matéria que ocorre um retorno, isto é, uma construção interativa do saber, fato este, significativo para todos do ambiente escolar. Tudo isto nos demonstra uma interação no excercimento da cidadania, da tecnologia a serviço da pedagogia.